Visual e comportamentos extravagantes em plena ditadura militar. Um vocalista irreverente que exala subversão durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, conhecido por ter sido a época com maior censura e repressão de todo regime. Pra quem nasceu em 1990 como eu fica muito difícil imaginar quão polêmico foi o surgimento da banda Secos e Molhados. Esse texto trata do disco de estreia da banda, tendo sido considerado o quinto melhor disco de música brasileira pela revista Rolling Stone (link para reportagem).
Impossível não começar falando sobre essa capa incrível, a minha preferida entre os discos nacionais. O fotógrafo Antônio Carlos Rodrigues conta que providenciou alimentos "secos e molhados", improvisou uma toalha com um plástico qualquer sobre uma mesa de compensado fino e a serrou para que coubessem as cabeças. As fotos foram tiradas durante uma madrugada fria em que os músicos ficaram sentados sobre tijolos aguardando o término da sessão. Uma capa histórica para um disco histórico.Com um baixo marcante e um vocal potente e afinado, características que se repetem durante quase todas as músicas, o álbum começa com Sangue Latino, que de tão boa já cria uma expectativa quanto ao restante do álbum. A letra chama atenção por indicar a história de alguém que enfrenta uma série de dificuldades devido a um passado de lutas e decisões erradas, porém, não se dá por vencido.
Em seguida o álbum apresenta uma das músicas mais conhecidas da banda O Vira. Uma coisa que eu adoro nessa música é a forma como o folclore é utilizado como tema na sua letra. Além disso há vários elementos da cultura nacional e da cultura portuguesa nessa música, como o próprio título e o refrão, que remete à dança portuguesa de mesmo nome.
O Patrão Nosso de Cada Dia me lembra um desabafo de um trabalhador após longa jornada de trabalho, junto com um bonito dedilhado e o som de uma flauta no final. O Amor traz de volta o baixo elétrico marcante de Willi Verdaguer e o violão de doze cordas. O destaque fica com a forma contraditória como o amor é tratado nessa música, ora como "suave coisa" e ora como "suave coisa nenhuma".
Assim Assado e Mulher Barriguda são verdadeiras pérolas do rock nacional. Enquanto existem muitas interpretações para a primeira, a segunda trata claramente da preocupação com o que será do mundo no futuro e se ainda haverá guerras, uma preocupação comum hoje em dia e que devia ser ainda pior durante a guerra fria.
Rosa de Hiroshima é uma música triste que me emociona sempre. Esse poema de Vinicius de Moraes trata das consequências da bomba atômica lançada em Hiroshima durante a segunda guerra mundial. Uma música que nos faz lembrar dos horrores de uma guerra e do sofrimento que o ser humano pode causar.
Rondó do Capitão (Manuel Bandeira) e As Andorinhas (Cassiano Ricardo) são poemas que deram origem a músicas curtas que destoam musicalmente das outras do disco, mas que abrem caminho para complexas interpretações.
Por fim vem uma música que eu gosto muito, a sutil e obscura Fala. Gosto muito de uma interpretação que diz que essa música trata sobre timidez, embora exista gente que defende que essa música trata sobre tortura no regime militar. Eu acho que ambas interpretações são válidas e aplicáveis à música, mas prefiro identificar como uma espécie de desabafo de uma pessoa tímida.
Gosto muito desse álbum, muito mesmo, tanto que quando pego pra ouvir normalmente vou do começo até o final sem pular nada. Volta e meia estou com uma de suas músicas na cabeça e estou sempre recomendando a algum conhecido. Gostaria de ter visto essa banda surgir no começo da década de 70 e de ter comparecido ao histórico show no maracanãzinho, onde 30 mil pessoas assistiram ao show e dezenas de milhares de pessoas ficaram do lado de fora lutando por uma chance de ver o polêmico grupo ao vivo. Segue o link para ouvir esse álbum fantástico no Spotify:
URL do Spotify: https://play.spotify.com/album/4rNGFFaXZ7l0Vg6QrcHcUi
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