segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Falso Brilhante (1976)


   A postagem de hoje é especial para mim. Diferentemente dos outros álbuns citados até hoje nesse blog, o Falso Brilhante eu tenho em disco de vinil, como pode ser visto na foto dessa publicação. Ganhei de presente de um tio e embora eu tenha pouquíssimos LPs, eu adoro esse formato. Além da experiência musical totalmente diferente que o disco de vinil proporciona em relação ao formato digital, a capa ainda serve de decoração.
    Falso Brilhante foi o nome dado a um espetáculo estrelado por Elis entre 1975 e 1977, quando foram realizados 257 shows atingindo um total de 280 mil pessoas, segundo a página http://www.ebc.com.br/cultura/2015/03/elis-regina-70-anos. Outras fontes afirmam que foram realizadas bem mais apresentações, mas o que vale é destacar a intensidade desse espetáculo e como foi importante para a música brasileira, tendo sido um marco na carreira da cantora e um grande sucesso nas bilheterias. Na época o jornalista Walter Silva escreveu para Folha: "O que dizer de um espetáculo que logo no primeiro número põe as pessoas da plateia em pé e em estado de semidelírio?". O link a seguir é uma entrevista com a Elis sobre essas apresentações com um trecho de Gracias a la vida, música também presente nesse disco. Vale a pena conferir essas imagens da TV Cultura e reparar na atmosfera circense e carnavalesca das apresentações:
    Com o sucesso absoluto desse espetáculo, Elis Regina gravou parte do seu repertório em estúdio, dando origem a um dos melhores álbuns já gravados no Brasil. Belchior, Chico Buarque e João Bosco são autores de algumas das músicas desse álbum que claramente ganharam uma versão melhor na voz da maior cantora brasileira de todos os tempos. Como nossos pais, sua música mais conhecida, abre o disco da melhor forma possível. Não sou capaz de dizer quantas vezes seguidas já ouvi e me arrepiei com essa música. A letra trata do passado de uma juventude revolucionária e como ela lida com os fatos do presente, agora envelhecida. A estrofe abaixo me passa a impressão de uma certa desilusão com o romantismo dos sonhos e das paixões, lembrando que a vida de uma pessoa qualquer é mais importante que um canto, algo muitas vezes esquecido num cenário de radicalismo ideológico:

Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa

    A principal estrofe da música mostra como apesar de todos os sonhos e todas as aventuras, essa juventude ainda vive como seus pais, algo negativo segundo o autor por relacionar esse fato a um tipo de dor. Imagino que essa dor venha do fato de que os pais não deviam ser tão revolucionários assim, pelo menos sob ponto de vista dessa juventude, e ser como eles não devia ser algo planejado:

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais

   A música que dá sequência a Como nossos pais também é de Belchior e também fala sobre a mesma temática, porém dessa vez de uma forma animada e até otimista. Enquanto a primeira destacada a dor, Velha roupa colorida demonstra a necessidade de se renovar de uma maneira até empolgada com as mudanças do futuro. Los Hermanos, do compositor argentino Atahualpa Yupanqui, é uma bela música interpretada magistralmente por Elis, porém sem o peso das duas primeiras canções desse álbum. Outra música desse álbum também cantada em espanhol é Gracias a la vida, da importante cantora chilena Violeta Parra.
   Um por todos, Jardins de infância e O cavaleiro e os moinhos, todas do João Bosco, são músicas de letras fortes e com uma interpretação até agressiva de Elis, misturando rock com elementos da música brasileira. Por fim destaco Quero, um agradável folk que fala sobre um desejo de morar na floresta, e Tatuagem, do Chico Buarque, que supera com muita facilidade a sua versão original.
  Falso Brilhante ocupa a trigésima sexta posição na lista dos cem melhores álbuns da música brasileira pela revista Rolling Stone e está disponível no Spotify no link abaixo:


terça-feira, 20 de setembro de 2016

Construção (1971)


    Eleito pela revista Rolling Stone o terceiro melhor álbum de música brasileira de todos os tempos (eu o colocaria em primeiro), Construção é um disco carregado de críticas sociais lançado justamente durante um dos períodos mais severos do regime militar, que censurou parte do disco como por exemplo a música Samba de Orly, onde Chico fala sobre o exílio:

Vai, meu irmão
Pega esse avião
Você tem razão de correr assim

    Esse álbum mostra todo talento de Chico Buarque como letrista. Em praticamente todas as músicas é impossível não se impressionar com a capacidade poética desse compositor, sendo o seu ápice a canção Construção, que dá nome ao disco e possui arranjos do maestro Rogério Duprat. Nunca ouvi nada que chegasse perto da genialidade poética dessa música. Construção narra o último dia de vida de um trabalhador da construção civil que, após fazer tudo como se fosse a última vez, cai no chão como um pacote flácido, na primeira narração, tímido, na segunda, e bêbado, na última vez que sua história é narrada. Nas três vezes em que sua morte é contada a consequência é apenas o prejuízo causado por cair na contramão atrapalhando o tráfego, o público e o sábado. Eu vejo esse final como uma crítica à perda de sensibilidade da população com o indivíduo devido à inversão de valores gerada por uma ideologia doente e individualista, onde problemas como um congestionamento no trânsito estão acima do valor da vida de um ser humano proletário. Chico uma vez disse para revista Status (link aqui) que essa canção não se trata de uma denúncia ou um protesto contra a alienação da sociedade no meio urbano, como eu interpretei acima, mas que "sua beleza está no jogo de palavras que possui", minimizando assim sua temática social. Confesso que tenho um pouco de resistência em aceitar esse fato. Não acredito que algo tão mágico possa ter sido feito sem a emoção que a temática social pode causar. De qualquer forma, o fato é que o jogo de palavras utilizado é algo incrível e com certeza o grande responsável por colocar essa canção no pedestal que ela ocupa na música popular brasileira. Como a revista Bula descreve, a letra de Construção é uma avalanche de proparoxítonas, como pode ser visto no trecho abaixo:

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido

    A história é narrada novamente mais algumas vezes, agora substituindo as últimas palavras de cada verso por proparoxítonas já usadas em outros versos. Posso afirmar com muita segurança que não tenho a bagagem literária e o conhecimento gramatical necessários para fazer uma análise justa da letra dessa música, eleita pela revista Rolling Stone, tão citada nesse blog, como a melhor canção brasileira de todos os tempos (dessa vez eu sou obrigado a concordar com a revista), por isso recomendo a leitura desse texto para quem quiser uma análise mais detalhada da sua estrutura poética: http://pensadoranonimo.com.br/analise-literaria-da-musica-construcao-chico-buarque/ . Por fim, uma curiosidade: Tom Jobim gostava tanto de Construção que chegou a recortar um jornal que continha a letra da música e comentava com a família sobre como a achava perfeita, segundo livro "Tom Jobim, um homem iluminado", escrito pela sua própria irmã.
    No disco ainda estão presentes outros clássicos da identidade politizada de Chico, como Cordão, com uma letra que possui um claro recado à censura da época (ninguém vai me acorrentar enquanto eu puder cantar) Deus lhe pague, que trata com ironia a situação de repressão que muitos brasileiros viviam durante o regime militar, agradecendo por algo tão básico para a vida do cidadão como sua própria existência e a concessão para sorrir:

A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
    
   Por fim destaco a música Cotidiano, que como o próprio nome já sugere, retrata o dia-a-dia de um cidadão comum. É possível interpretar de muitas maneiras, entre elas uma crítica ao conceito conservador de família, em que o marido sai para trabalhar e a esposa existe para lhe servir, e à própria cadeia sem fim que é a rotina e a perda do poder de decisão que ela implica. É interessante observar que apesar da aparente felicidade do casal em alguns versos fica evidente a insatisfação do personagem principal da música: Todo dia eu só penso em poder parar, meio dia eu só penso em dizer não. Bom, da mesma forma que Chico foge da crítica social de Construção em entrevistas, nada impede que a intenção do autor tenha sido apenas retratar a vida de um casal comum da época, o que não diminui brilho dessa animada música. Existe uma versão bem legal de Cotidiano gravada por Seu Jorge e Marcelinho da Lua numa versão Drum n' Bass que pode ser encontrada no excelente álbum do DJ carioca Viagem ao Mundo da Lua.
    Construção é um marco na música brasileira e chegou a ter uma demanda de mais de dez mil cópias por dia, ultrapassando a marca de mais de cem mil discos vendidos ainda nas primeiras semanas de venda, um recorde para a gravadora Philips, como conta uma reportagem de 1972 da revista Realidade. Um álbum muito importante na minha vida que eu só não comentei antes aqui no blog por saber da responsabilidade que é falar de Chico Buarque, patrimônio cultural do Brasil, como uma vez falou Jô Soares.

Link para ouvir o disco no Spotify:


domingo, 18 de setembro de 2016

Maria Fumaça (1977)


    O primeiro disco da banda carioca Black Rio é um clássico do soul/funk brasileiro que reúne vários outros estilos musicais como samba e até baião. Assim como praticamente todos os álbuns já citados nesse blog, o disco está presente na lista dos cem melhores álbuns da música brasileira pela revista Rolling Stone, tendo ocupado a trigésima oitava posição.
    A primeira e melhor música desse disco instrumental, Maria Fumaça, já dá uma ideia de como o álbum todo vai soar: animado e dançante, sendo impossível não lembrar de James Brown já nos primeiros segundos. Essa música, que também dá nome ao álbum, chegou a ser tema de abertura de novela da globo na época. Em várias canções como Na baixa do sapateiro Leblon via Vaz Lobo é possível ouvir o som de instrumentos musicais como cuíca e ganzá, deixando evidente a influência de samba no álbum. Mr Funky Samba é a terceira música do disco e mantém o estilo já demonstrado nas duas músicas anteriores, ficando ao lado da música título como a melhor desse álbum. Uma coisa muito legal é prestar atenção na linha de baixo incrível que esse disco possui, resultado do trabalho do baixista Jamil Joanes, que já trabalhou com vários outros artistas de peso como Gonzaguinha, Luiz Melodia, Gal Costa e Tim Maia.
    A sexta música desse disco é a famosa Baião, de Luiz Gonzaga. Uma versão funk desse clássico da música brasileira onde novamente o baixo de Jamil Joanes se destaca. O álbum continua com o funk característico desse grupo até chegar na última música, Junia, a mais calma de todas.
    Após a gravação de Maria Fumaça a banda Black Rio gravou junto com Tim Maia o álbum Disco Club, um dos mais importantes da sua carreira, e continuou na ativa até o falecimento do saxofonista Oberdan Magalhães em 1984, tendo retornado após longo tempo para gravar o disco Rebirth somente no ano 2000. Hoje a banda possui uma agenda cheia de shows que incluem países como Inglaterra e Itália, e segue com uma filosofia destacada no seu próprio site oficial: ter o samba com funk-grooves nas bases, trazer encorpados arranjos de metais e misturar tudo harmonicamente com diferentes ritmos brasileiros

Link para ouvir Maria Fumaça no Spotify:

    
    

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A Tábua de Esmeralda (1974)


   O sexto melhor disco brasileiro de todos os tempos segundo a revista Rolling Stone é um álbum místico e encantador, trazendo um samba-rock já apresentado por Jorge Ben em seu disco de estreia Samba Esquema Nova agora mais maduro e tratando de temas complexos como esoterismo e alquimia.
   A tábua de esmeralda é um texto supostamente escrito há milhares de anos por Hermes Trismegisto e que deu origem à alquimia. Na música Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda, penúltima música desse disco, Jorge Ben canta uma das traduções para esse texto além de contar um pouco da história de como Hermes o escreveu, supostamente com uma ponta de diamante em uma lâmina de esmeralda. Coloquei a letra dessa música no final dessa postagem, retirada do site www.letras.mus.br. Quem tiver mais interesse sobre esse texto pode conferir nesse site: http://www.serfazacontecer.com/a-tabua-de-esmeralda/ 
   De início já gostaria de dizer que esse álbum não apresenta nenhuma música que não seja muito boa. Todas as músicas são verdadeiros clássicos da música brasileira e a qualidade é tão grande que colocar uma delas em destaque é uma injustiça com as outras. É desse álbum algumas das músicas mais conhecidas da carreira desse músico, como Os alquimistas estão chegando, Minha teimosia, Menina mulher da pele preta e Cinco Minutos. Vale a pena ouvir o álbum inteiro e prestar atenção nas conversas gravadas no começo de algumas músicas. Há quem diga que todas as músicas foram gravadas em sequência com pouco tempo de descanso para os músicos.
   As referências à alquimia estão praticamente no disco todo. O homem da gravata florida, por exemplo, fala sobre Paracelso, médico e alquimista, a quem é creditada a criação do nome do elemento químico Zinco. Namorado da viúva, música no melhor estilo samba-rock iniciado em Samba Esquema Novo, fala sobre Nicolas Flamel, alquimista que casou com uma viúva e é responsável pelos misteriosos desenhos da capa desse disco. Reza a lenda que ele teria fabricado a pedra filosofal e o elixir da longa vida. Contribui para o clima esotérico dessa postagem lembrar que Racional (Tim Maia) e Gita (Raul Seixas) também são de 1974, um ano místico na música popular brasileira.
   Um álbum nota 10 gravado por um artista inovador e pioneiro nesse estilo que é a cara do Brasil. Assim como A Tábua de Esmeralda, Jorge Ben Jor também é nota 10 e ainda vai ser muito citado nesse blog.

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Link para ouvir o disco no Spotify:
  
Letra de Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda, que contém o texto que deu origem a esse álbum:

Hermes Trismegisto escreveu
com uma ponta de diamante em uma lâmina de esmeralda 

O que está embaixo é como o que está no alto,
e o que está no alto é como o que está embaixo.

E por essas coisas fazem-se os milagres de uma coisa só. 
E como todas essas coisas são e provêm de um
pela mediação do um, 
assim todas as coisas são nascidas desta única coisa por adaptação.
O sol é seu pai, a lua é a mãe. 
O vento o trouxe em seu ventre. 
A terra é seu nutriz e receptáculo.

O Pai de tudo, o Thelemeu do mundo universal está aqui.
O Pai de tudo, o Thelemeu do mundo universal está aqui.

Sua força ou potência está inteira,
se ela é convertida em terra.

Tu separarás a terra do fogo e o sutil do espesso,
docemente, com grande desvelo.
Pois Ele ascende da terra e descende do céu
e recebe a força das coisas superiores
e das coisas inferiores.

Tu terás por esse meio a glória do mundo,
e toda obscuridade fugirá de ti.
e toda obscuridade fugirá de ti.

É a força de toda força,
pois ela vencerá qualquer coisa sutil 
e penetrará qualquer coisa sólida. 
Assim, o mundo foi criado. 
Disso sairão admiráveis adaptações,
das quais aqui o meio é dado.

Por isso fui chamado Hermes Trismegistro,
Por isso fui chamado Hermes Trismegistro,

tendo as três partes da filosofia universal.
tendo as três partes da filosofia universal.

O que disse da Obra Solar está completo.
O que disse da Obra Solar está completo.

Hermes Trismegisto escreveu com uma ponta de diamante em uma lâmina de esmeralda.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Lóki? (1974)


   Se nesse álbum houvesse apenas a música instrumental Honky Tonky (Patrulha do Espaço) eu já o incluiria aqui no blog. Por sorte o primeiro álbum do Arnaldo Baptista depois dos Mutantes é recheado de  músicas boas além dessa.
  Discos voadores, NASA, birra com Alice Cooper, loucura, depressão, morte, drogas, arrependimentos, saudade da Rita e até consumismo são temas abordados nesse álbum que mostra um Arnaldo devastado pelo fim do relacionamento com Rita Lee. O excelente documentário também chamado de Lóki mostra como o eterno mutante ficou arrasado com o fim do casamento e como levou a sério sua vontade de fazer uma viagem espacial, tendo sido capaz de procurar amigos para convidá-los para fazer parte de uma patrulha que construiria uma nave espacial.
  A melancolia é algo presente durante todo o disco, que já começa com uma das minhas músicas nacionais preferidas, Será que eu vou virar bolor?. Nessa música Arnaldo questiona onde está seu rock n' roll e demonstra estar preocupado com a possibilidade de se tornar uma pessoa datada, um "bolor". Acho curioso como ele pergunta várias vezes na música se vai morrer de dor, mas na terceira música do disco, Não estou nem aí, ele insiste em dizer que não tem medo da morte.
   Vou me afundar na lingerie é uma música provocadora com trechos como "ame-me ou deixe-me" e cheia de gírias da época como "xuxu beleza", "tomate maravilha" e "paz e amor". Para mim essa música inteira soa como uma espécie de deboche, principalmente quando Arnaldo repete que essa é a última moda. Junto com Cê tá pensando que eu sou Lóki?, onde a influência do samba é evidente, essa música possui uma atmosfera sarcástica e cômica, mesmo inserida num álbum melancólico. 
   Desculpe, Navegar de novo e Te amo, podes crer trazem o clima deprimido e romântico de volta com toda força, sem abrir mão da psicodelia tão presente na carreira desse artista. O disco encerra com a acústica É fácil. Recomendo ouvir essa última música com fones de ouvido para aproveitar bem todos os efeitos sonoros contidos nela, com o som fugindo de um fone para o outro.
   Segundo Nelson Mota, esse é um álbum essencial para compreender a música brasileira. Ele também foi incluído na lista de melhores discos da música brasileira pela revista Rolling Stone, tendo ficado em trigésimo quarto lugar. (link para reportagem)

Link para ouvir o disco na íntegra pelo aplicativo Spotify: 
     

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Di Melo (1975)


     O pernambucano Roberto de Melo Santos, mais conhecido como Di Melo, mudou-se para São Paulo no final dos anos 1960 e lançou esse clássico em 1975. Uma palavra que define bem esse álbum é swing, sendo Kilariô, A Vida em Seus Métodos Diz Calma Se o Mundo Acabasse em Mel ótimos exemplos disso.
     Apesar de ser um álbum muito animado e dançante, com uma atmosfera "sambalanço" ou "samba-rock", estão presentes três músicas de tango nesse disco: Conformópolis, Má-lida e Sementes. As três possuem letras densas, sendo Conformópolis a narração de uma sofrida rotina de trabalho na grande São Paulo. Má-lida parece ser um desabafo de alguém amargurado com a vida e visto como um depravado pelas outras pessoas. Em Sementes o tango fica ainda mais presente com um arranjo bem característico. A música possui uma letra muito bonita e cheia de rimas, dando à música um clima muito elegante quando todos esses elementos são reunidos:

"Vai flor que se mata a espera do amanhã
Vai desembaraça teu sorriso a uma irmã
Vai que quando passas tu perfumas chão ardente
Vai que o tempo atrai de ti sua semente"

     Pernalonga e Minha Estrela trazem novamente a identidade dançante do Di Melo. O disco termina da melhor forma possível com Indecisão, onde elementos típicos da música nordestina são identificados. Nessa música Di Melo fala sobre a carreira musical:

"Tudo isso é pra quem pode
Nunca foi, nunca é pra quem quer
Tem gente que nasce pra ter e tem gente que vem pra cantar"

     Infelizmente esse disco incrível não está no Spotify, logo não posso compartilhar o link como eu fiz das outras vezes. Entretanto as músicas podem ser encontradas no YouTube, que quebra um galho apesar de não ser a plataforma ideal pra ouvir música.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Secos e Molhados (1973)



     Visual e comportamentos extravagantes em plena ditadura militar. Um vocalista irreverente que exala subversão durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, conhecido por ter sido a época com maior censura e repressão de todo regime. Pra quem nasceu em 1990 como eu fica muito difícil imaginar quão polêmico foi o surgimento da banda Secos e Molhados. Esse texto trata do disco de estreia da banda, tendo sido considerado o quinto melhor disco de música brasileira pela revista Rolling Stone (link para reportagem).
     Impossível não começar falando sobre essa capa incrível, a minha preferida entre os discos nacionais. O fotógrafo Antônio Carlos Rodrigues conta que providenciou alimentos "secos e molhados", improvisou uma toalha com um plástico qualquer sobre uma mesa de compensado fino e a serrou para que coubessem as cabeças. As fotos foram tiradas durante uma madrugada fria em que os músicos ficaram sentados sobre tijolos aguardando o término da sessão. Uma capa histórica para um disco histórico.
     Com um baixo marcante e um vocal potente e afinado, características que se repetem durante quase todas as músicas, o álbum começa com Sangue Latino, que de tão boa já cria uma expectativa quanto ao restante do álbum. A letra chama atenção por indicar a história de alguém que enfrenta uma série de dificuldades devido a um passado de lutas e decisões erradas, porém, não se dá por vencido. 
     Em seguida o álbum apresenta uma das músicas mais conhecidas da banda O Vira. Uma coisa que eu adoro nessa música é a forma como o folclore é utilizado como tema na sua letra. Além disso há vários elementos da cultura nacional e da cultura portuguesa nessa música, como o próprio título e o refrão, que remete à dança portuguesa de mesmo nome.
     O Patrão Nosso de Cada Dia me lembra um desabafo de um trabalhador após longa jornada de trabalho, junto com um bonito dedilhado e o som de uma flauta no final. O Amor traz de volta o baixo elétrico marcante de Willi Verdaguer e o violão de doze cordas. O destaque fica com a forma contraditória como o amor é tratado nessa música, ora como "suave coisa" e ora como "suave coisa nenhuma".
     Assim Assado e Mulher Barriguda são verdadeiras pérolas do rock nacional. Enquanto existem muitas interpretações para a primeira, a segunda trata claramente da preocupação com o que será do mundo no futuro e se ainda haverá guerras, uma preocupação comum hoje em dia e que devia ser ainda pior durante a guerra fria.
     Rosa de Hiroshima é uma música triste que me emociona sempre. Esse poema de Vinicius de Moraes trata das consequências da bomba atômica lançada em Hiroshima durante a segunda guerra mundial. Uma música que nos faz lembrar dos horrores de uma guerra e do sofrimento que o ser humano pode causar.
     Rondó do Capitão (Manuel Bandeira) e As Andorinhas (Cassiano Ricardo) são poemas que deram origem a músicas curtas que destoam musicalmente das outras do disco, mas que abrem caminho para complexas interpretações.
     Por fim vem uma música que eu gosto muito, a sutil e obscura Fala. Gosto muito de uma interpretação que diz que essa música trata sobre timidez, embora exista gente que defende que essa música trata sobre tortura no regime militar. Eu acho que ambas interpretações são válidas e aplicáveis à música, mas prefiro identificar como uma espécie de desabafo de uma pessoa tímida.

     Gosto muito desse álbum, muito mesmo, tanto que quando pego pra ouvir normalmente vou do começo até o final sem pular nada. Volta e meia estou com uma de suas músicas na cabeça e estou sempre recomendando a algum conhecido. Gostaria de ter visto essa banda surgir no começo da década de 70 e de ter comparecido ao histórico show no maracanãzinho, onde 30 mil pessoas assistiram ao show e dezenas de milhares de pessoas ficaram do lado de fora lutando por uma chance de ver o polêmico grupo ao vivo. Segue o link para ouvir esse álbum fantástico no Spotify:

URL do Spotify: https://play.spotify.com/album/4rNGFFaXZ7l0Vg6QrcHcUi    

Acabou Chorare (1972)



    Escolher um dos meus álbuns favoritos para começar o blog foi uma decisão um tanto arriscada. Se por um lado não há nada melhor do que começar com o pé direito, por outro fica a preocupação em saber se minha inexperiência vai me atrapalhar a falar de um álbum tão importante, considerado pela revista Rolling Stone como o melhor disco brasileiro em uma lista que tinha mais de 100 clássicos indiscutíveis (link para reportagem).
    De qualquer forma, mãos à obra!
  A primeira coisa que eu destaco nessa obra-prima é a sua versatilidade. Na música Tinindo Trincando, por exemplo, a perceptível influência de Jimi Hendrix na guitarra de Pepeu Gomes divide espaço com um triângulo, tão usado nas músicas de Forró. O legal é que esse disco é todo assim: A cada música uma surpresa nova com uma mistura tão bem feita de estilos musicais diferentes, mas sem perder uma identidade própria bem característica dos Novos Baianos.
    A faixa título é uma música calma e com uma letra bem inocente, cantada por Moraes Moreira de um jeito que mais parece uma canção de ninar. Essa música me faz pensar numa fazenda ou numa casa de campo:
"Abelha, abelinha
Acabou chorare
Faz um zum-zum pra eu ver
Faz zum-zum e mel"
    Escolher uma música favorita é uma tarefa difícil com um álbum recheado de músicas tão boas, mas se fosse obrigado a escolher apenas uma seria Mistério do Planeta. A letra é forte e de uma certa maneira enigmática, e se fosse analisada isoladamente já seria um show à parte. A música começa calma e termina com um solo perfeito de Pepeu Gomes, quando novamente a influência de Jimi Hendrix se faz presente.
    A brasileiríssima A menina dança é o ápice de Baby Consuelo nesse álbum. Música animada com um refrão que não sai da cabeça. Besta é tu nos alerta sobre a importância de valorizar nosso mundo - "Por que não viver nesse mundo se não há outro mundo?"  - dando exemplo de coisas simples na vida como o Maracanã num domingo. Preta Pretinha é um clássico e talvez a música mais conhecida desse disco. Apesar de ser uma música longa em momento algum é uma música cansativa. Desafio qualquer pessoa a ouvir essa música e não passar o dia repetindo mentalmente: "Preta preta pretinha, assim vou lhe chamar, assim você vai ser". Por fim destaco a instrumental Um bilhete pra Didi, que consegue trazer toda versatilidade que eu tanto elogiei à tona.
    Acabou Chorare é um álbum fantástico e na minha opinião é motivo pra qualquer brasileiro ficar orgulhoso com tamanha genialidade produzida aqui. Fica agora a expectativa de ver os Novos Baianos juntos novamente nessa nova turnê anunciada em 2016! Tá aí um show que eu não vou perder por nada.